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18 de mai. de 2010

É possível sobreviver a ética à audiência?

Parte do trabalho da disciplina de Deontologia do Jornalismo
Já munidos de documentos que comprovavam a veracidade dos fatos que a reportagem abordava, documentos esses utilizados pelo Ministério Público em investigação posterior, a equipe de reportagem da Rede Paranaense de Comunicação utilizou uma câmera escondida para completar a reportagem “Diários Secretos”. A função do jornalista como vigilante, sua responsabilidade e função social estavam, certamente, efetuadas e o resultado em favor da sociedade era satisfatório. Entretanto o impacto que a imagem pode causar e as sensações dos telespectadores frente às gravações feitas à partir de uma câmera escondida são contundentes, muito embora para o o jornalismo investigativo que se propunha torna-se desnecessária.

Nesse caso de uso abusivo dos apaatos tecnológicos, apesar de justificar-se na responsabilidade social, não encontro orientação por nenhuma das opções de ética apresentadas e também por ética alguma é apenas o objetivo comum: a audiência, gerando lucros para a empresa de comunicação, tendo em vista que as justificativas éticas não se aplicam ao uso exacerbado das escusas profissionais.
A questão da falsa identidade, utilizada em grande parte dos casos de câmeras ou microfones ocultos usados por jornalistas, é, sobretudo, crime configurado no ordenamento jurídico brasileiro, no livro em que consta também, muitas vezes, o crime tema da reportagem. Seria então, novamente, uma escusa profissional. Pois, seria possível considerar ético cometer um crime para denunciar outro? Para satisfazer o interesse público e cumprir o seu dever profissional de informar é realmente necessário que o jornalista torne-se um criminoso?
Os defensores do uso dos aparatos tecnológicos indiscriminadamente argumentam que os fatos não são criados para as câmeras ou microfones ocultos, são somente capturados sem o conhecimento de todos. O professor Cláudio Tognolli em artigo publicado no Observatório de Imprensa em 2002 (veja aqui), argumenta favoravelmente ao uso de câmeras escondidas justificando que o trabalho do jornalista é para a sociedade tal qual o trabalho do médico é no salvamento de uma vida que seja feito tudo. Até aí é um posicionamento frente a questão polêmica, levando em conta que nessa data, 2002, era ainda distante do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, pois somente em 2007 que houve a inclusão dessa temática no livro. Entretanto, Tognolli afirma que “A discussão sobre a câmera oculta é uma unanimidade no mundo: deve ser empregada”. Nesse caso ele não apresenta sua posição ou seus conceitos éticos, mas afirma um entendimento pacífico para a causa, o que não é verdade. O professor apresenta exemplos de uso desses equipamentos em outros países para confirmar essa afirmativa, no entanto, o uso ocorrer em diversos países não confirma um entendimento regular e unânime da questão.
Os argumentos explorados por Tognolli e outros defensores do uso indiscriminado de câmeras ou microfones ocultos e falsas identidades tem embasamento no interesse público e na função social do jornalista, Tognolli ampara-se ainda os argumentos de Bernardo Kusinski quando explica que em caso de interesse público, a ética deve ser consequencial (como o caso do médico, faça tudo, pode-se tudo). Todavia, esse poder exacerbado dos jornalistas, poder esse conferido apenas a essa classe profissional de manipular elementos audiovisuais, cometer crimes ou infrações e desrespeitar outros princípios como o direito à privacidade não pode se escorar em desculpas ou lacunas do conjunto de normas éticas que norteiam a execução do ofício do jornalista. A responsabilidade social e a ética estão também na coerência do profissional. Ao tempo em que pelo interesse público tudo lhe é permitido, o jornalista muitas vezes pode exceder o limite de suas atribuições e agir de maneira igualitária aquele indivíduo ou ação que centraliza o trabalho de interesse público.
Penso que para usar câmera e microfone é preciso identidade, a verdadeira.
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