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22 de jun. de 2011

"E agora, quem poderá me defender?"

O jornal laboratório (o Ágora) é uma das disciplinas que tenho esse ano. Achei a proposta atual interessante. São definidas frases que devem "basear" a matéria que escrevemos e essa frase deve estar no texto. As duas primeiras edições foram com frases de filmes ou seriados. A minha frase foi "E agora, quem poderá me defender?" do Chapolin Colorado. Precisava fazer uma matéria sobre segurança pública.
Ano passado fiz uma grande reportagem de rádio com o tema "Ressocialização de condenados e ex-condenados". Foi muito bacana. A experiência foi incrível. Resolvi "repetir". Mudei o direcionamento, mas continuei com a mesma base: ressocialização. Novos entrevistados, novas histórias, mas foi fácil perceber como a realidade se repete - preconceito e falta de oportunidades. Não, eu não acho que eles sejam todos coitadinhos. Acho que se eles foram condenados é porque fizeram alguma coisa. Mas depois que cumprem a pena, eles deveriam estar quites com a sociedade. E não é assim que acontece.
Veja o meu texto (antes da edição). O Ágora está disponível no site da Unicentro!

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Recomeço

Quando a ‘bocuda’ se abre, outras portas se fecham

A defesa da sociedade é prendê-los, mas quando os egressos deixam a prisão estão à mercê do preconceito e da discriminação social. A pergunta que muitos fazem nesse momento é “E agora, quem vai me defender?”

A violência é crescente e a preocupação com a segurança aumenta proporcionalmente. Em sua defesa, a sociedade aplica penalidades àqueles envolvidos com a criminalidade. Trancafiar os criminosos em prisões tem sido a alternativa social para o problema. Teoricamente, depois de cumprir a pena que lhe foi atribuída, o indivíduo não tem mais dívidas com a sociedade e reconquista a plenitude de seus direitos de cidadão. Entretanto, não é essa a realidade que muitos egressos encontram quando deixam a vida atrás das grades e retornam para a sociedade.
“Ninguém quer dar uma segunda chance”, conta Felipe*. Ele ficou preso por cinco anos e quando saiu estava com esperanças de uma vida diferente. Mas, não foi tão fácil como imaginava. Quando deixou a cadeia da Delegacia de Polícia de Guarapuava, Felipe* percebeu o preconceito da sociedade e a falta de oportunidade. “Eu cometi um erro, queria uma vida diferente. Sai de lá com a cabeça feita, nunca mais voltava. Mas é só pedir um emprego que a gente ouve um não atrás do outro”, relata o egresso.
A porta de saída da cadeia é conhecida como bocuda entre os presidiários e a grande expectativa é passar por ela, deixando a prisão. Mas quando conseguem, ainda existem outras portas na caminhada de um ex-condenado.
O preconceito social contra condenados e ex-condenados não colabora para a reinserção dessas pessoas no convívio social. A reintegração do individuo na sociedade requer, além da própria vontade, a possibilidade social para isso. Para encontrar um emprego honesto e digno é necessário que o empregador lhe oferte essa oportunidade. A assistente social Viviane Silveira Batista conta que o trabalho é fundamental para essa reinserção “Eles precisam de sustento, alguns têm família para alimentar, e não conseguem um emprego. Aí vêm as ‘facilidades’ do crime”.
Viviane trabalha no Pro Egresso há três anos. Esse programa é realizado em Guarapuava através de um convênio entre a Secretaria de Estado Penitenciário e da Cidadania e a Universidade Estadual do Centro-Oeste. O objetivo do programa é acompanhar o cumprimento das penalidades e oferecer um suporte para que o egresso se reintegre satisfatoriamente ao convívio social, defendendo os seus direitos como cidadão.
E para isso, segundo Viviane, é preciso ultrapassar muitas barreiras, como a falta de conhecimento da sociedade sobre esse processo de ressocialização e de oportunidades, mas, muita vontade do próprio apenado. “Eles querem mudar, muitos deles querem. O problema é que quando eles saem de lá, esperam que a família, a sociedade estejam esperando de braços abertos. Mas quando chegam aqui não é essa a realidade que encontram”, conta a assistente social.
Mas nem todas as cabeças têm a mesma sentença. Fernando Cordeiro é empresário da construção civil e contrata egressos. “Não tem porque ter preconceito. Precisa dar uma chance. E, comigo pelo menos sempre foi assim, o lugar onde eles estão trabalhando é onde não some nenhuma ferramenta, não tem um problema”, relata o empresário.
Felipe participa do Pro Egresso e ainda não conseguiu um emprego, mas Ronaldo* tem uma história diferente. Saiu a cadeia em 2003, e desde então mudou os rumos de sua história. Ele também participou do programa, conseguiu um emprego e conta que reconstruiu sua vida. “Não cometi nenhum deslize nesses anos todos. Eu mudei muito. Depois que comecei a trabalhar, nunca mais pensei em voltar para aquela vida. Ouvi muitos conselhos, fiz vestibular e esse ano já vou me formar”, diz Ronaldo, feliz com a nova conquista.
Apesar das vitórias que já coleciona, Ronaldo diz que ainda teme o preconceito. “Na minha turma da faculdade, ninguém sabe que eu já estive na cadeia. Não sei se vão mudar comigo, mas está tão bom assim que prefiro que ninguém mais saiba”, admite. Ronaldo hoje presta serviços terceirizados e tem uma equipe que trabalha com ele. “Eu contrato egressos porque quero dar a segunda chance do mesmo jeito que recebi”, afirma. E dá um aviso para quem está saindo agora: “não é fácil, mas vale muito à pena lutar”.
*À pedido dos entrevistados, os nomes usados são fictícios.

Mais oportunidades podem surgir
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem um projeto chamado “Começar de Novo” para incentivar o emprego de ex-condenados. A partir de um convênio com o governo, o CNJ conseguiu garantir que uma parcela dos postos de trabalho nas obras para a Copa do Mundo de 2014 seja destinada aos egressos. No Paraná já existem 90 vagas de trabalho ofertadas pelo programa, mas ele ainda não é realidade para os egressos aqui em Guarapuava. “Eu vi propagando na Tv, mas nem sei o que é isso mesmo. Aqui não tem não. É só o Pro Egresso pela gente mesmo”, explica Felipe*.

O crime bate à porta
Ronaldo* conta que quando deixou a prisão, ainda no mesmo dia, já chegaram propostas para voltar à criminalidade. “O cara ficou sabendo que eu sai, chegou lá em casa quase junto comigo. E já falou ‘tá afim de trabalhar? Eu financio’. Falei que não. Mas a verdade é que depois de três meses procurando emprego e precisando de dinheiro, pensei muito para continuar dizendo não”, conta Ronaldo.

O sistema penitenciário dificulta a ressocialização
Cumprir a pena que foi atribuída é o certo, mas as condições sub-humanas das penitenciárias não colaboram para diminuir a criminalidade e facilitar a reinserção social dos egressos. A estrutura para a assistência dos recolhidos é, geralmente, precária. Felipe* conta que decidir mudar de vida, naquelas condições, não é fácil. “Você se revolta. É muita humilhação. Falta muita coisa para dizer que somos tradados como gente. Eu era preso, mas não deixei de ser gente. A maioria lá fica revoltada e volta querendo acabar com tudo”, diz Felipe.

Em busca de um novo caminho
Para ajudar o egresso a mudar de vida, o Pro Egresso faz reuniões semanais para os usuários de drogas ilícitas e para dependentes de álcool. “Esses problemas precisam ser tratados porque são, junto com a falta de trabalho, os motivos da maioria que volta a reincidir na criminalidade” conta Viviane. O Pro Egresso também tenta incentivar os participantes a voltar aos estudos, “a falta de profissionalização, reduz ainda mais as vagas de trabalho”, diz Viviane.
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