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17 de ago. de 2012

É preciso responsabilidade ao usar o megafone



Li o texto de uma coluna em um jornal online que me deixou pensativa. O autor alterna entre três argumentos para justificar uma atitude da pessoa que era o personagem do texto:  insanidade mental, ignorância e/ou ganância. E, ainda, lhe atribuiu a pecha de traidor. O nome do personagem não foi citado, mas as pistas fornecidas pelo autor facilitavam que o público entendesse de quem se tratava.
A primeira coisa que me causou estranheza no texto foi o autor - jornalista - não se preocupar em  logo esclarecer que não há qualquer prova que o personagem de fato tenha tomado tal atitude. Isso foi citado apenas ligeiramente quase ao final do texto. Jornalistas sabem - ou deveriam saber - a responsabilidade que têm e o compromisso de informar, ao menos, com amparo na correção e provas de suas afirmações. Já no primeiro ano de faculdade começamos a ler e estudar esses assuntos.
No exercício profissional do jornalismo, espera-se dele o seu serviço: apurar as informações em seu limite para bem informar o público. Até onde me lembro, fofoca, disse-me-disse e burburinhos não constam como checagem e apuração de informações. Ainda que em textos opinativos, o jornalista não pode faltar com retidão e a clareza das informações.
Tenho muito interesse no gênero do jornalismo opinativo, acho fascinante. No entanto, fico preocupada se não há limite para a liberdade que goza o jornalista opinativo. No livro Jornalismo Opinativo, o catedrático José Marques de Melo explica que, nas colunas, os jornalistas tem a liberdade de exprimir opiniões, valores e até mesmo indicar futuras notícias. É esse o espaço ideal para contar sobre os bastidores das notícias também. Importante salientar que há distinção entre colunas de jornalistas e as demais colunas.
Todavia, sugerir informações e ter credibilidade na formação da opinião pública confere ao jornalista responsabilidade. E é preciso tê-la.
Penso que é função do jornalista divulgar aquilo que seja de interesse público, mas é necessário respeitar o limite da verdade de suas afirmações e a sua capacidade de comprová-las. Tenho um exemplo para demonstrar a minha opinião: teve um cidadão que se sentiu prejudicado por uma matéria onde afirmava que ele constava nas investigações como suspeito de participar de um crime Depois de sua inocência provada, processou o jornalista. A decisão foi que não houve abusos do jornalista, pois ele se ateve aos fatos: o cidadão realmente era suspeito nas investigações. 
Muito diferente seria se o jornalista tivesse escrito que aquele cidadão era acusado ou participante do crime. Essa seria uma inverdade. Na época que a matéria foi publicada, ele não havia sido acusado e não era considerado participante, apenas suspeito. O jornalista não ultrapassou o limite de informar os fatos. O fato, naquele momento, era que o cidadão constava como suspeito e respeitando o limite daquilo que tinha como provar ser verdade, o jornalista não lhe atribuiu falsas acusações. Se quisesse uma história inversa, não faltariam exemplos práticos.
Nesse caso que serviu de exemplo era uma notícia e não uma coluna. Mas até que ponto a coluna dá liberdade para o jornalista inferir acusações sem provas? No texto que me provocou essa reflexão, não se incluem nem ao menos uma prova de que o personagem tenha, de fato, agido da forma como o autor deixa crer. As alegações do jornalista são fundamentadas apenas nos boatos sobre o assunto.
Ainda questiono: onde está a responsabilidade do jornalista ao incitar a opinião pública com base em fofocas ou na opinião de diversas pessoas que não se sabe quantas e nem quem são? Isso me remete ao livro do Eugênio Bucci, Sobre Ética e Imprensa. Especificamente esse trecho:
"Adquirindo um vasto poder sobre a sociedade, os meios de comunicação fizeram de seus proprietários e de seus funcionários figuras arrogantes, que se julgam acima de qualquer limite quando se trata de garantir seus interesses e de se divertir com seus caprichos. Exigir que ajam com responsabilidade social e com consciência, que não abusem do poder de que estão investidos, que não se valham dele para destruir reputações e para deformar as instituições democráticas é exigir que o espírito que se encontra na origem do jornalismo não seja corrompido"
Dessa forma, Bucci lembra aos jornalistas que eles devem sobrepor a responsabilidade social e a consciência ao poder que detêm enquanto profissionais. Não se pode admitir que o poder denotado aos veículos de comunicação e aos jornalistas desvirtuem a função do jornalismo.
Por óbvio, existem as exceções, onde são publicadas informações sem todas as averiguações necessárias. Alguns justificam a necessidade de tornar fatos públicos mesmo que sem ainda ter esgotadas as possibilidades de apuração. Essa justificativa geralmente se ampara no interesse público, na relevância e no direto dos cidadãos ao acesso à informação. Entretanto, esses argumentos justificam acusações imprudentes, sem reflexão? Além da acusação, afirmar que alguém é traidor?
Desde que comecei estudar o jornalismo e a comunicação social, uma questão sempre me foi inquietante: qual o limite da liberdade de imprensa versus o direito à honra e à dignidade humana? De acordo com Os Princípios Internacionais da Ética Profissional dos Jornalistas, esses profissionais devem exercer a liberdade de imprensa respeitando a honra e a dignidade humana:
"Princípio VI (O direito à vida privada e à dignidade humana)
Parte integrante das normas profissionais do jornalista é o respeito do direito do indivíduo à vida privada e à dignidade humana, de acordo com os estipulantes do Direito internacional e nacional, relativos à proteção dos direitos e da reputação das pessoas, proibindo-se o libelo, a calúnia, a maledicência e a difamação".
É importante lembrar que exprimir a opinião sobre alguém ou suas atitudes é uma coisa bem diferente do que usar o megafone que se chama jornalismo. A credibilidade do jornalista, aquele que é responsável por trazer as informações para que o público saiba o que acontece, maximiza as afirmações desses indivíduos. Lembrei de outro autor muito interessante, Francisco José Karam, e destaco uma frase que é emblemática para mim do livro Jornalismo, ética e liberdade"O problema ético está no simples fascínio pelo poder, fama e prestígio, sem levar em conta a responsabilidade que deve integrar a atividade". 
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